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Verbasco

Já imaginaram como seria penoso o quotidiano dos humanos no alongado período que antecedeu a época moderna?
Suponhamos que vivíamos na Europa em plena Idade Média. Não havia batata, nem milho, nem tomate, nem abóboras, nem feijão, nem café e o açúcar era uma especiaria só ao alcance dos nobres ricos. A conservação dos alimentos era feita com sal, o qual também atingia valor elevado.

O único picante conhecido era a mostarda, de sublimada importância, porque “escondia “ o mau sabor dos alimentos deteriorados. E como faziam os nossos antepassados quando, “após darem de corpo”, queriam limpar o rabiosque, o rabo, as partes traseiras, o “sim-senhor”, ou outro nome mais apropriado que lhe queiram dar? Estou-me a referir, é evidente, apenas aos mais asseados. Papel higiénico não havia, nem sequer jornais e os míseros trapos eram reservados às rudes vestimentas. Como fazer então?
E eis mais uma função, hoje esquecida, das plantas nossas amigas. A gente dessas remotas eras servia-se dos vegetais que medravam nos campos. Era necessário escolher as folhas mais macias e sedosas para o efeito desejado, pois muitas eram ásperas e arranhavam os alvos traseiros das criaturas. É aqui que entra em cena o verbasco, planta que tinha muitas aplicações, como iremos ver a seguir.
O Verbascum thapsus, herbácea da família das Scrophulariaceae é, quase sempre bienal. No primeiro ano, forma uma roseta basal com grandes folhas grossas verde acinzentadas, cobertas de penugem e macias como flanela. Como se calcula, elas eram ideais para a função acima mencionada. Os catalães puseram-lhe o nome de “trepó”, pois a configuração das tais folhas faz lembrar as tripas dos mamíferos. No segundo ano, a planta deita um caule lanoso, ereto e vigoroso que chega a alcançar dois metros de altura. É ao longo desse espigão que se formam as pequenas flores, quase sésseis, de amarelo claro, com cinco pétalas e cinco sépalas. As folhas ovais e ligeiramente lanceoladas são alternas e bastante mais pequenas do que as basais do primeiro ano, mas igualmente cobertas de pelinhos brancos ou prateados. Os frutos são cápsulas cheias de sementes castanhas que não chegam a ter um milímetro de diâmetro.
O verbasco é nativo da Europa, Norte de África e Ásia Menor mas hoje está disseminado pelos vários continentes. Gosta de sol e de terrenos secos e pedregosos. É frequente no nosso país à beira dos caminhos serranos. Na serra da Arrábida surge em abundância. O reputado Engº José Gomes Pedro no seu “Guia de Campo – Flores da Arrábida” menciona o Verbascum sinuatum (verbasco-ondeado) que é basicamente idêntico à espécie thapsus. Aliás, saliente-se que existem no mundo mais de 300 espécies e subespécies de verbascos, cujas características pouco variam entre si.
As flores autopolinizam-se ou beneficiam de polinizações cruzadas, sendo estas as mais produtivas. As sementes possuem uma dormência espantosa. Estudos americanos calculam que as sementinhas conservam o seu poder germinativo durante cem anos.
O nome “verbascum” provém do vocábulo latino “barbascum” que significa “barba”, em referência aos pequenos filamentos que a planta possui.
Quimicamente o verbasco contém flavonóides, mucilagens, saponinas, hidratos de carbono, ácido cafeico e outros ácidos.
Entre as propriedades fitoterápicas da planta apontam-se, entre outras, a de ser demulcente, diurética, sedativa, adstringente, expectorante, anti-inflamatória, antibacteriana, antifúngica e analgésica.
Já na antiguidade clássica ela era usada para tratar faringites, amigdalites, afonias e tosse. De um modo geral, o verbasco é útil para debelar todos os males do aparelho respiratório. Segundo Pamplona Roger prepara-se, para esse efeito, uma infusão de 20 a 30 g das flores por litro de água para tomar três chávenas diárias. Deve-se filtrar o “chá” para evitar os pelos que podem irritar a garganta. Mas há ainda numerosas aplicações tópicas para limpeza e tratamento da pele, otites e eczemas no pavilhão auditivo.
A raiz seca e pulverizada é boa para problemas urinários e é base para cremes e unguentos no tocante ao alívio do hemorroidal.
É também usada em homeopatia.
Falta ainda dizer que, em tempos antigos, o verbasco era utilizado como piscicida, visto causar problemas respiratórios aos peixes de água doce que assim eram capturados mais facilmente.
Igualmente servia como base de vários corantes.
Com as folhas secas e os caules preparavam-se pavios e, envolvidas em sebo, constituíam tochas com boa duração.
Tudo isto tem a ver com práticas muito antigas que já entraram em desuso. Convém, no entanto, recordar e registar.

Miguel Boieiro

Luis Matias Publicado em 28 novembro 2016
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