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FARTURAS

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Chegou a rulote das farturas: vai haver festa! Parece o anunciar de um grande evento de animação. E percorrem todo o país de norte a sul, da costa ao interior. Mas também em todas as cidades. Em Lisboa, do Largo de S. Domingos no Santo António à grande Feira da Luz, no Largo da Luz, nos finais de agosto.

Não há romaria, ou qualquer animação de rua, que se preze que não tenha uma venda de farturas. Possivelmente hoje também já são classificadas como Street Food! Quem foi educado na província não esquece o cheiro que se sentia ao longe da barraca das farturas. A sua presença anunciava os festejos que iriam acontecer. A sua chegada e instalação era rápida. Desde sempre me abriram o apetite. E pena tive quando encerrou a Feira Popular em Entre Campos, local onde me deslocava muitas vezes, e algumas delas, apenas para comer uma fartura.

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Início da colocação da massa para fritura

Tentei saber a sua origem. Sem grande sucesso. Muitos diziam-me que vinham de Espanha e faziam sempre um paralelo com os churros. E, pouca literatura sobre um produto, quer se goste ou não, que é popular e toda a gente conhece. Nunca pedi a receita. Por vezes sou atrevido e lá vou perguntando os ingredientes…! Por isso posso escrever que genericamente a receita popular é confecionada com farinha, fermento em pó, bicarbonato de sódio, água e sal, e óleo para fritar. E depois açúcar e canela para envolver o frito ou apenas polvilhar. Mas não é verdade. Há outros ingredientes que podem entrar no segredo, e de facto há farturas que são diferentes.

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Continuação de colocação da massa, em espiral, em fritura

Consultei alguns livros para saber como são apresentadas as receitas. Em “A Mulher na sala e na Cozinha” de Laura Santos, 1945, surge uma receita de “Farturas de Feira” e o “Modo de as fritar”. Curioso é o nome da receita que nos remete diretamente para a “Feira” como se houvesse outras, mas não as apresenta. Apesar de ser receita para feiras é uma receita mais elaborada. Depois de colocar um tacho com água, ao lume, junta-se um pau de canela e um pouco de manteiga, um pouco de açúcar e sal. Deixa-se ferver um pouco. Retira-se do lume e junta-se lentamente farinha de modo a que se dissolva completamente e sem ficar com grumos. Depois de retirar do lume coloca-se a massa num alguidar e juntam-se ovos, um a um e mexe muito bem durante cerca de uma hora. Deixa-se a massa repousar por mais e hora e está pronta para fritar: Põe-se a massa na forma própria e cortam-se ao tamanho de 10 a 15 centímetros, logo para dentro da frigideira; depois de fritas, polvilham-se com açúcar e canela.

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Com a ajuda de 2 hastes metálicaas enrola-se melhor a espiral

Em 1973, Maria Odete Cortes Valente, no livro “Cozinha Regional Portuguesa”, publica duas receitas: Farturas e Farturas à Minha Moda. Na primeira os ingredientes são a farinha, água, fermento em pó, conhaque, margarina, açúcar e casca de limão. Todos os produtos bem misturados a quente, com a ajuda de uma seringa especial fritam-se e depois cortam-se me pedaços e polvilham-se com açúcar e canela. Para a receita à Minha Moda, há uma ligeira variação de ingredientes. Assim temos farinha, água, aguardente, banha de porco, sal, açúcar, fermento em pó, pau de canela e casca de limão cortada fininha. Em ambas as receitas leva-se sempre a água ao lume até ferver e vai-se juntando a farinha, cuidadosamente, para garantir que não ficam grumos. Há quem chame a este processo cozer ou escaldar a farinha. Curiosamente é esta autora que em 1994, no volume da “Estremadura”, volta a publicar uma receita de farturas cuja origem remete para Lisboa. Agora na receita, os ingredientes para a massa são apenas farinha, água fermento em pó e sal. Parece ser esta a receita mais comum nas farturas de feira. De notar que na massa não entra açúcar e quando acontece é sempre em pequena quantidade. Nesta última receita dá mais conselhos para a fritura: a massa vai-se deitando no óleo a ferver, em forma de caracol. Volta-se, para cozer dos dois lados. Coloca-se sobre papel absorvente. Corta-se aos bocados e polvilha-se com açúcar e canela.

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Virar a espiral para fritar dos 2 lados

Maria de Lourdes Modesto, na “Grande Enciclopédia da Cozinha”, 1960, no verbete farturas: É uma especialidade muito apreciada e popular, que está geralmente muito presente nas barracas de qualquer feira. Do outro lado do Atlântico, no Brasil Cláudio Fornari, no “Dicionário-Almanaque de Comes & Bebes”, 2001, escreve simplesmente que fartura é uma Espécie de filhós. No “Dicionário de Gastronomia”, 2005, de Maria Antónia Goes, define farturas como massa de farinha e água, passada pela seringa grossa, frita em óleo quente e cortada em bocados, passados por açúcar em canela. Também eu, no “Dicionário Prático da Cozinha Portuguesa”, 2015, defino farturas como Bolo popular, habitualmente vendido em feiras e com forma de rolo, que é feito com farinha e água, frito e polvilhado com açúcar e canela.

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Final da fritura

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Fora do óleo e pronta para ser cortada

A literatura é muito parca nas referências às farturas. Azinhal Abelho (1911-1979), na sua poética descrição de “Lisboa num cravo de papel, 1968, cita as farturas como obrigatória na Feira da Ladra. As farturas parecem, pois, um produto de rua. E lá voltamos aos modernos (?) conceitos de street food. Sempre foram um produto de rua como o são os couratos e outras delícias do nosso povo.

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A serem passadas por uma mistura de açúcar e canela

Mas as farturas não são todas iguais. Às vezes parecem porque são consumidas ainda quentes. As farturas, para mim, devem estar ligeiramente crocantes no exterior e bem fofas no interior. E depois bem douradinhas mas bem escorridas do óleo de fritura. Ora, é esta última qualificação que poucas vezes acontece. Dizia-me recentemente um vendedor de farturas que não tinha tempo para as escorrer. E apontava-me para a fila de clientes à espera!

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Num prato prontas a ser degustadas

Vivam as farturas, e em especial as festas populares!

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