Na página 26 da 21ª edição do notável romance “A Sibila”, Agustina Bessa-Luís escreve que Lisa “parando sob as latadas de morangueiro, extasiando-se com o perfume dos cachos que a tentavam muito e faziam gratificar um garoto para que trepasse nos lódãos, a colher para ela os rácimos empoeirados”. Depois de matutar um pouco, concluí que a personagem do citado romance talvez almejasse os cachos de uvas que se encontravam empoleirados nas árvores. Não se estranhe a confusão entre empoeirados e empoleirados porque consta-se que Agustina escreve numa penada e tem por costume nunca rever o que redige. Aguardo a melhor interpretação dos doutos para esta frase que me inspirou a cronicar sobre o lódão. Para onde me havia de dar!
Na realidade, os lódãos são árvores bem altas e só com bastante vento as ramagens poderão recolher poeira. Podemos vê-los em plena cidade de Lisboa, na Alameda Afonso Henriques, nas imediações do Castelo de São Jorge e noutros meios urbanos, como árvore ornamental que fornece excelente sombra. Que o digam os praticantes de chi-kung da Sociedade Portuguesa de Naturalogia que resolveram praticar a atividade no relvado da Alameda. Aí foi a sombra dos lódãos a proporcionar o desejado lenitivo face à canícula que, na altura, se fazia sentir.
O lódão, também conhecido por lódão-bastardo ou ginjinha-do-rei é cientificamente designado por Celtis australis L e pertence à família botânica das Ulmaceae ou, modernamente, das Cannabaceae. O termo australis nada tem a ver com Austrália como inadvertidamente se possa imaginar. Esta palavra latina refere-se a “sul” que, no mundo romano era a região do mediterrâneo (sul da Europa, norte de África ou Ásia Menor), donde o nosso lódão é nativo. Por sua vez, celtis, provém do grego e designa genericamente “árvore”. Aproveita-se para referir que, em cerca de quatro dezenas do género celtis, pesquisados há pelo menos 16 que possuem edibilidade. Mas já lá vamos!
O lódão é uma árvore robusta de copa ampla que pode atingir 40 metros de altura. A sua longevidade média é de 200 anos mas conhecem-se casos em que pode chegar aos 8 séculos. O seu tronco é vertical, liso, praticamente sem fissuras, de cor acinzentada. As folhas são simples, alternas, pecioladas, ovado-lanceoladas, acuminadas, serradas e rugosas. As pequenas flores, pouco expressivas, verde-amareladas, solitárias, pentâmeras e hermafroditas são polinizadas principalmente por ação do vento. Os frutos, que amadurecem no fim do verão, são drupas pedunculadas com cerca de 1 cm de diâmetro. Começam por ser verdes e depois tornam-se negro-acastanhadas quando maduras, sendo adoradas pelos pássaros. As raízes são profundas e ramificadas.
O lódão resiste bem à seca, ao calor e à poluição urbana, apreciando terrenos drenados mas detestando zonas sombrias e geadas. É praticamente indiferente ao pH dos solos, medrando em terrenos alcalinos, neutros ou ácidos. Devido a estas características é hoje utilizado, quase exclusivamente, como árvore ornamental e de alinhamento.
Todavia, o lódão possui outras valências já esquecidas da moderna civilização consumista que hoje nos rege. Em primeiro lugar, os frutos são comestíveis e de sabor adocicado, embora de polpa reduzida. Eles eram, nos tempos antigos, usados para a elaboração de apetecíveis compotas, ou marmeladas como, erradamente, dizem os ingleses.
Tanto as folhas como os frutos são ricos em flavonóides, taninos e mucilagens, possuindo propriedades adstringentes, lenitivas, antidiarreicas e anti-hemorroidais. Para esses efeitos, usa-se (usava-se) a decocção das folhas e dos frutos para debelar amenorreias, hemorragias menstruais, diarreias e cólicas.
A madeira do lódão é leve mas elástica e flexível. Torna-se ideal para o fabrico de objetos torneados, instrumentos musicais, rodas de charretes, ferramentas de lavoura e artesanato.
Da casca e sobretudo das raízes obtinha-se, outrora, um corante amarelo de grande valia para tingir as sedas.
Convém referir que o crescimento do lódão é relativamente rápido se o compararmos com o de outras espécies arbóreas de grande longevidade. A reprodução pode ser efetuada através das sementes, tendo-se em atenção que a sua dormência não vai além de cinco anos. Pode, no entanto, efetuar-se a propagação através de estacaria.
Finalmente, não logrei certificar-me se o lódão possui algum óleo essencial aproveitável. Apenas detetei nos “Elementos da Flora Aromática” de Aloísio Fernandes Costa a existência de um “primo” designado por Celtis durandii, espontâneo em Angola e São Tomé e Príncipe que proporciona a obtenção de um óleo chamado escatol. Mas essa é outra história!
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