Erva-moleirinha
Foi com imenso gosto que acompanhei alguns membros da Associação Filosófica Nova Acrópole num passeio pedestre pela Serra do Louro (Arrábida). O principal objetivo da digressão era o de analisar a flora que desponta na serra nesta época de inverno e de grande invernia. Apesar do vento forte e das chuvadas de granizo, foi possível caminhar pelo cume da serra até às imediações das ruínas pré-romanas de Chibanes, enigmáticas fortificações da idade do ferro. Com surpresa, porque a primavera tarda em chegar, vimos já muitas plantas em plena floração com destaque para a simpática orquídea salapeira-grande, conhecida cientificamente por Barlia robertiana. As calêndulas ainda mantinham as suas flores fechadas para as proteger do rigor do tempo e as borragens dominavam a paleta de vistosas cores com os seus inebriantes azuis. Ora, aqui e ali, surgiam também flores da erva-moleirinha, as quais me motivaram, finalmente, a abordar esta erva medicinal.
Diga-se, de passagem que, desde criança, mantenho certa aversão, talvez injustamente, por esta planta maneirinha. Outrora, uma das minhas habituais tarefas era a de apanhar ervas para os coelhos, tendo sido instruído para colher as melhores. Quanto às ervas-moleirinha a recomendação repetia-se: nunca as dês aos coelhos porque senão eles morrem. Persistiu-me essa lembrança de garoto e daí a animosidade contra tal erva, mas como ela tem sido gabada pelos fitoterapeutas de todas as eras, acabei por ceder e elaborar a respetiva ficha.
A Fumaria officinalis, conhecida popularmente por fumária, catarina-queimada, erva-pombinha, erva-dos-cãezinhos e erva moleirinha, entre mais de uma dezena de nomes, foi há cerca de uma década integrada pelos botânicos encartados na família das Papaveraceae. Trata-se de uma planta ruderal que prefere solos arenosos e leves, mas não rejeita áreas pedregosas. É anual, espontânea, frágil com caules tenros, angulosos, dispersos ou ramificados desde a base até ao topo. Por vezes, quando isolada, parece formar um pequeno arbusto, mas geralmente apresenta-se como uma trepadeira que se enrola às outras ervas suas vizinhas. As folhas são muito recortadas, alternas, glaucas (verde-azuladas) e glabras (desprovidas de pelos). A sua configuração física lembra a erva-de-são-roberto (de verde mais pronunciado) ou mesmo a salsa (de verde mais profundo). As flores são zigomórficas, rosadas com ponta púrpura, possuindo quatro pétalas irregulares e unidas, formando racimos (cachos). Apesar do seu aspeto vistoso os insetos raramente as visitam, mas elas não precisam porque são auto-férteis. O fruto é uma cápsula verde, quase esférica, não ultrapassando 3 mm de diâmetro e contendo apenas uma semente.
Toda a planta exala um aroma ácido. O sabor é amargo e ligeiramente salgado.
Como constituintes principais temos cerca de vinte alcaloides, entre os quais, a fumarina, a tal que é nociva para os herbívoros. Possui ainda teores elevados de sais de potássio, flavonóides, mucilagens, resinas, taninos e princípios amargos.
Os compêndios de fitoterapia indicam imensas propriedades da erva-moleirinha ou fumária: depurativa, diurética, tónica, laxante, anti-inflamatória, antiescorbútica, sedativa, antibacteriana, emoliente (amacia e regenera a pele), colagoga (regula a secreção da bílis), diaforética (facilita a transpiração).
As medicinas tradicionais, grega, romana e árabe já aconselhavam a fumária para os distúrbios biliares e os problemas da pele como a urticária, a sarna, a psoríase, o eczema e o acne. O Dr. Lyon de Castro acrescenta a escrofulose, a atonia gástrica e as doenças renais.
Prepara-se um infuso com 30 g da planta seca para um litro de água. Toma-se duas ou três chávenas por dia fora das refeições. Refere-se também o suco depurado, o xarope, o “vinho”, a decocção e as lavagens (uso tópico).
Existem, contudo, importantes contraindicações na toma desta planta. Para já, é de evitar o seu uso excessivo: mais de três chávenas por dia podem provocar vómitos, dificuldades respiratórias, diarreia, dores de estômago e até epilepsia. Os doentes com glaucoma, problemas gástricos e os hipertensos não a devem usar. Outrossim, com as grávidas e mães que se encontram a amamentar. O suco da planta pode causar intensas lágrimas, ficando, num lapso de tempo, os olhos enevoados. Julga-se que foi desse fenómeno que resultou a designação de fumária.
Acrescente-se que esta misteriosa planta consta nos antigos tratados de Botânica Oculta (Botanogenia), nomeadamente no das “Plantas Mágicas” de Sédir.
Deixo um aviso final. Apesar do seu uso intenso desde remotos tempos, enfatize-se que a erva-moleirinha é uma planta tóxica e só deve ser ingerida a conselho de quem ”sabe da poda”. Eu jamais a utilizo, nem recomendo. Afinal os meus pais tinham razão e os coelhos também!
Miguel Boieiro
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