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CANJIRÃO

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Canjirão confecionado por Seu Jonas e Dona Ronaldinha, que me foi oferecido por Gilmar de Carvalho o que provocou a minha ida a Aracati para descobrir os seus segredos

Durante a recente estadia em Aracati, Ceará, Brasil, local sobre o qual fiz duas crónicas, tive particular atenção a este doce – canjirão - e conversei com três artesãos o que me permitiu assistir à sua confeção. Mas esta curiosidade deve-se aos eruditos textos de Gilmar de Carvalho que se esforça por valorizar património imaterial mal divulgado e pouco consumido. No texto publicado na revista “Gente de Ação” Gilmar de Carvalho refere-se ao canjirão como … um doce luxuoso, feito a partir da castanha de caju pilada, misturada com mel da mesma fruta. Não pode ser barato e é requintado desde sempre … curioso que a mistura da castanha com o mel faz com que o doce prescinda do fogo. Depois de transcrever a conversa com Seu Jonas e Dona Ronaldinha, continua com os elogios do doce: É muito calórico, dá para adivinhar e é melhor não se exceder no consumo. Tem uma consistência de doce árabe… o canjirão é luxuoso, tem algo de untuoso, como o doce de burité, “a espécie” (de gergelim com rapadura preta) ou o chouriço feito com sangue de porco, farinha e especiarias. Tem personalidade e, por isso, é único.

Esta poesia doceira levou-me a desafiar e convidar Gilmar de Carvalho a acompanhar-me em mais uma expedição doceira como já tínhamos feito para Sobral e Viçosa do Ceará.

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Canjirão, jarro para vinho

Antes de partir tentei informar-me sobre a origem da designação deste doce. Sem grande sucesso. No “Glossário Cearense de Culinária” encontramos: tijolo de castanha de caju, farinha e rapadura, originário de Caucaia. O jornal digital Jangada Brasil de dezembro de 2001 define canjirão: assa-se castanha, pila-se e mistura-se com farinha de mandioca, colocando-se mel de caju. Fugindo para outras formas de utilização do termo canjirão, no “Dicionário Cearense de Palavras, de Nivardo Cavalcante Nepomuceno surge a expressão aguentar o canjirão como significando sustentar ou aguentar uma situação difícil. Já o maior escritor do Ceará, José de Alencar (1829-1877), no seu livro “O Guarani”, 1857, utiliza o termo canijrão como aparece na maioria dos dicionários etimológicos e cito a frase: O que realmente os entristecia era não terem uma boa ceia e um canjirão de vinho diante de si. Ora é esta definição da maioria dos dicionários. Canjirão é um jarro de boca larga para servir vinho ou uma medida de vinho, como o da imagem que tenho em casa. Segundo a Enciclopédia Luso-brasileira de Cultura, Verbo, canjirão é Grande púcaro ou caneca para vinho. … Pode ter forma cilíndrica ou apresentar formas mais complicadas, como as de cabeças caricaturais de homens…

 Parece que o termo canjirão para jarros de boca larga terá caído em desuso no século XX, tendo ainda sido usado por Alexandre Herculano no livro, romance histórico, “O Bobo” (1843) na frase …ou ainda um canjirão de cerveja.

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Canjirão branco, tijolo, em venda no Mercado Público de Aracati

Uma vez chegados a Aracati fomos ao Mercado Público. Aí encontrámos vários locais com venda de canjirão mas nós procurávamos o Senhor José Erivaldo Costa Lima, o Valdinho, sobrinho dos artesãos atrás citados. Quando se fala em canjirão tem que se ser mais preciso: há o canjirão branco que adquire em Aracati, e outras localidades, o nome de “tijolo” e o canjirão escuro, o mais comum, e que também pode ser chamado de “pancão”. Para nossa satisfação Valdinho disponibilizou-se para se deslocar a sua casa e fazer uma preparação de tijolo, canjirão branco. Primeiro prepara-se a castanha de caju bem moída, ralada muito fina. De seguida coloca-se cinco quilos de açúcar com um pouco de água até obter, o que me pareceu, um ponto de cabelo (106 graus em termómetro) e junta-se a castanha de caju. Mexe-se muito bem, com colher de pau, até o caju estar completamente incorporado na calda de açúcar e o fundo fazer estrada. Depois de ligeiro repouso coloca-se o creme nos moldes de madeira para enformar e secar ligeiramente. Em pouco tempo os tijolos ficam prontos e são embalados em papel celofane.

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Canjirão escuro de Valdinho

Para fazer o canjirão preto, ou pancão, utilizou três quilos de castanha de caju moída que se mistura muito bem com um litro e meio de mel de caju e no final meio quilo de farinha fina de mandioca, peneirada. Valdinho prepara o seu próprio mel, com a ajuda da esposa Luísa. Encontra-se no mercado também à venda, já preparado, em garrafas. Para fazer mel de caju utiliza-se a fruta carnudo do caju, bem doce e eliminando as azedas, que se transforma em sumo (suco) com a ajuda de um rasgador de madeira. Depois de coar este líquido, que não deve ser confundido com cajuína, deita-se em tacho de cobre que se coloca ao lume, habitualmente feito no chão. De seguida procede-se ao processo de apuramento do mel utilizando uma escumadeira de cabaça, uma espécie de concha furada de metade de uma cabaça. Com esta concha que se mergulha repetidamente no líquido e se levanta, vai dando movimento ao líquido em oxigenação permanente e que o calor ajuda à sua redução. Ficamos no final com um líquido grosso e pastoso a que se chama mel, sem ajuda de abelhas. Dezoito litros de líquido do fruto do caju rendem cerca de três litros de mel!

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Fogo de chão para preparar mel de caju

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Castanha de caju antes de ser moída

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Valdinho e Luísa junto a castanha de caju moída fina

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Açúcar com água a atingir “o ponto”

No dia seguinte fomos até Itaiçaba para chegar ao local de Boca do Forno, que pertence a Aracati, mas a estrada era melhor apesar das chuvas recentes. Fomos encontrar o famoso Assis do Canjirão, filho de Seu Jonas e Dona Ronaldinha. Francisco Assis Barbosa Lima e sua esposa Josiane receberam-nos de forma muita agradável e prepararam uma receita para assistirmos à confeção de tijolo, canjirão branco. Primeiro açúcar com água até atingir o ponto, fora do lume adição de castanha de caju moída fina e depois envolver tudo muito bem até obter uma massa homogénea. Entretanto mergulham-se em água as formas de madeira. Limpa-se muito bem uma mesa forrada com plástico, colocam-se as réguas/formas e preenchem-se com a massa. Alguns minutos depois, e a massa já fria, preenchem-se as réguas com o preparado. Deixa-se secar um pouco e temos os tijolos prontos a embrulhar depois de a parte superior ser enfeitada com castanha de caju.

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Assis do canjirão

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Josiane verificando “o ponto” para juntar castanha de caju moída

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Incorporação da castanha de caju no “ponto” de açúcar

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Preenchimento das réguas/moldes

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Tijolos prontos a embrulhar

A próxima paragem, depois de conseguir informações, foi em casa de Iraci Viana Maia Monteiro, que após terminar de dar banho a uma criança se prontificou confecionar canjirão escuro a que sempre chamou pancão. Para esta preparação, que não necessita de lume, começa com castanha de caju que foi ligeiramente torrada e depois ralada fina. Junta mel de caju, erva-doce e farinha de mandioca fina e peneirada, mistura tudo muito bem com a ajuda de uma colher de pau e termina fazendo uma bola com as mãos. Agora nas réguas/formas, colocada em cada espaço uma folha de papel celofane e ajusta bem até ficar todo o espaço bem ocupado. Na face superior faz decoração com castanha de caju e depois embrulha o doce até ficar fechado. Para colar o papel na última volta usa resina de cajueiro e, aí está, a utilização da natureza. A simplicidade, associada à velocidade a que esta artesã está habituada, revela-nos um doce brilhante, luxuoso com escreveu Gilmar de Carvalho, e fruto de uma árvore considerada autóctone por vários autores e entre eles Gilberto Freyre.

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Iraci Maia Monteiro pronta a preparar canjirão

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Finalização do canjirão

Apetece-me sugerir às autoridades e instituições locais que incluam este doce na lista dos produtos que identificam a região. Mais, porque não incluir este doce na lista de património imaterial cearense? Eu prometo fazer a minha divulgação. Desenvolver o que é local, enquanto há artesãos locais, ajuda a desenvolver a economia local fruto da natureza e que, constituirão elementos de identidade regional.

© Virgílio Nogueiro Gomes

Nesta expedição gulosa fui acompanhado, para além de Gilmar de Carvalho citado no texto, com Wagner Pereira e Walden Luiz, homens de cultura.

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