O REI dos pudins, e as falsificações
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Claro que irei escrever sobre o Pudim do Abade de Priscos que é indubitavelmente o melhor pudim português. Lamentavelmente é mal copiado ou dá-se o seu nome a pudins, que apesar de terem ovos, em nada se assemelham ao glorioso. No final encontrarão a pior receita que encontrei e que lhe chamam Abade de Priscos.
A subtileza e a textura invulgar deste pudim merece que se lhe atribua o epíteto do título. É seguramente o pudim português de maior excelência, o que lhe dá um prestígio invulgar no capítulo da doçaria portuguesa. Não sendo de origem conventual é o doce mais rico criado após a extinção das ordens religiosas em Portugal, 1834. Apesar de se supor ter sido criado em finais do século XIX só em 1925 encontramos a sua receita publicada, num livro curioso com o título “Biblioteca Culinária” da autoria de Febronia Mimoso e editado pela Livraria Civilização, Porto.
Mas o que faz deste pudim o mais elitista, e invulgar, dos pudins portugueses? Seguramente à sua textura associada ao sabor delicado, doce e requintado. E qual o ingrediente que provoca tal consistência? O toucinho. Que possivelmente naquele tempo poderia até ser rançoso, por isso lhe junta um pouco de vinho do Porto que ajuda a alterar o eventual gosto, desgostado, do toucinho. Mas o seu processo de confeção tem atos de delicadeza que garantem o não aparecimento de defeitos no final. Vejamos o que quer isto dizer. Primeiro coloca-se meio litro de água ao lume e quando começar a ferver junta-se meio quilo de açúcar, uma casca de limão e um pau de canela e um pouco de presunto gordo (quarenta a cinquenta gramas). Segundo a receita original, quando a calda atingir meio ponto - o que hoje se chamaria um ponto baixo ou de espadana - passa-se então por um coador de rede, garantindo assim que a calda ficará sem os elementos sólidos. Primeiro gesto de atenção para garantir que apenas a calda se misturará às gemas. É tempo agora de juntar quinze gemas de ovos batidas, ou cortadas, assegurando-se que não tenham bolhas de ar. Encontrar olhos no pudim é visto como um defeito. Junta-se também um pouco de “vinho fino” hoje garantido como vinho do Porto, e que irá desviar um eventual gosto estranho a toucinho. A função do toucinho não é a que a ele saiba, mas a sua gordura determinará uma textura elegante e requintada ao pudim, o que o torna inigualável.
O creme pronto, a tarefa seguinte é preparar um caramelo líquido, que não fique amargo, para barrar uma forma tendo o cuidado de ver que esta fique por toda bem untada do dito assucar. A irregular colocação do caramelo pode prejudicar o pudim na sua fase final. Depois enche-se a forma, própria, com o creme, tapa-se, coloca-se em tabuleiro com banho-maria, e coze em forno bem quente cerca de meia hora. Depois é desenformado e regado com o caramelo que restar na forma.
Os tempos modernos têm questionado este pudim, como outros doces muito doces, e propondo redução da quantidade de açúcar. Parece-me um absurdo pois descaracteriza a essência da receita. Poderemos não consumir uma dose generosa do pudim mas aprender a consumir uma dose mais pequena. Neste capítulo, a nova onde de chefes de cozinha, tem vindo a surpreender-nos com a apresentação do Pudim Abade de Priscos em sobremesas compostas nas quais o pudim é peça central e depois composto com outros elementos como fruta ou sorvetes. E tenho sido agradavelmente servido com novas propostas, sem criarem ruturas no famoso e delicado Pudim Abade de Priscos.
Ora este verão de 2016, numa revista de grande divulgação, é apresentado como sugestão um pudim a que chamam de Abade de Priscos. Uma verdadeira traição!
Comparem a proporção dos ingredientes da receita original e a proposta:
Receita Original | Receita sugerida |
15 gemas | 5 gemas e 1 ovo completo |
500 g açúcar | 500 g açúcar |
½ l de água | 500 g água |
40 a 50 g toucinho gordo | 0 |
1 cálice vinho fino | 50 ml vinho do Porto |
1 casquinha de limão | 1 limão |
Canela em pau | 1 pau de canela |
A grande alteração de gemas de ovo e a ausência de toucinho altera, obrigatoriamente, a consistência e textura do pudim. A melhor homenagem que se pode fazer ao Abade de priscos é executar a receita conforme o seu criador nos deixou.
De origem bem localizada na região de Braga, rapidamente se transformou no mais importante pudim português. Em todas as regiões de confeciona e sempre apresentado como um produto de elite, e de requinte da nossa doçaria. É verdadeiramente o REI dos pudins! Exijam o Pudim Abade de Priscos como ele deve ser e não abastardem a cultura.
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