Cerejeira
“Um poema ou uma árvore podem ainda salvar o mundo.”
Eugénio de Andrade
“Redonda, carnuda, ela recebe a dourada luz que incendeia e aquece, enrubesce e deixa-se embalar pelas melodias do vento nos seus brincos de donzela timidamente voluptuosa”.
Do livro “Cerejas – Poemas de Amor de Autores Portugueses Contemporâneos”.
Inspirado pelas salutares benesses colhidas na magnífica “Festa da Cereja” que ocorreu em junho na freguesia de Alcongosta (Fundão), assim começo esta croniqueta sobre a “Prunus avium”, mais conhecida por cerejeira, a tal que ainda pode salvar o mundo, nos dizeres de um celebrado poeta fundanense.
Alcongosta, aldeia típica situada numa das vertentes nortenhas da Gardunha, ostenta no seu brasão um frondoso castanheiro, árvore que outrora deu cartas na região e dois açafates de vime plenos de rubras cerejas. Daí, uma curiosa quadra popular inscrita nos bordados tradicionais:
“Do cerejo ao castanho
Bem eu me havanho
Mas do castanho ao cerejo
Mal me vejo”.
Alcongosta engalanou-se de cerejas em bem decoradas vendas que ligavam as artes tradicionais, aos petiscos e às bebidas: licor de cereja, sangria de cereja, torta de cereja, “muffins” de cereja, martini de cereja, batido de cereja, gelado de cereja, tripinha de cereja, bombons de cereja, cartucho de cereja, “clafoutis” de cereja, pão de cereja, … e mais, muito mais pitéus das ditas. Querem as receitas? Então, para o ano que vem, não deixem de programar uma visita a esta festa tão original.
A cerejeira é uma árvore de folha caduca, originária da Ásia, da família das rosáceas. O cultivo das cerejeiras acontece nas regiões frias, dado que elas necessitam de muitos dias de frio para produzir satisfatoriamente. Florescem tarde para escapar das geadas, mas é curto o período de floração, cuja exuberância, aconselha também a uma visita.
As cerejas contêm proteínas, cálcio, ferro, magnésio, potássio, fibras, açúcares, taninos, pro-vitamina A, vitamina B e vitamina C. São refrescantes, diuréticas, laxativas (e eu que o diga) e ajudam no tratamento da gota, na redução do ácido úrico e no fortalecimento do sistema imunitário.
O Professor Naturopata, Nicola Capo recomenda, no seu opúsculo da colecção “Saúde para Todos”, curas de cereja como panaceia para prisão do ventre, cálculos hepáticos, nefrite, úlceras do estômago e do duodeno, obesidade, etc. O citado livrinho contém ainda um número apreciável de receitas baseadas em cerejas.
Não posso também deixar de referir o infuso de pés de cereja preta (30 g para 1 litro de água) nas inflamações renais e retenções urinárias. O “chá” das flores é peitoral e calmante.
Quando estivemos na Turquia, apercebemo-nos da grande popularidade de um refrescante enlatado, confeccionado com cerejas, substituindo com vantagens a Coca-Cola. Porque não fazemos o mesmo em Portugal? Deixámos uma latinha (vazia) ao Presidente da Junta de Freguesia, como estímulo e hipotético espólio do futuro museu.
Finalmente, uma palavra para a madeira de cerejeira que é muito boa para o fabrico de mobiliário e não só. O nosso amigo Joaquim da Costa Santos, brilhante artesão, possui em sua casa um autêntico museu de arte sacra constituído por esculturas que ele, sábia e pacientemente, vai esculpindo dos troncos das cerejeiras. Também por isso, vale bem a pena ir a Alcongosta.
Miguel Boieiro
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