Bacalhau Dourado
Bacalhau Dourado no Hotel Santa Luzia - Elvas
Não é tarefa fácil escrever sobre a história de uma receita. Mesmo quando esta é de criação relativamente recente, mas os supostos criadores já não estão entre nós e os descendentes têm informações pouco exatas, ou não coincidentes. A receita desta crónica é a do “Bacalhau Dourado” da qual há unanimidade em relação ao local a partir do qual se expandiu, que foi a Pousada de Santa Luzia em Elvas, inaugurada a 19 de abril de 1942, mas este bacalhau só aparece em 1947. Se a pousada abriu pelas mãos de um poeta, Azinhal Abelho, sucede-lhe um epicurista especial que deu uma nova dimensão gastronómica ao estabelecimento, António Pimenta.
Consta que a primeira pessoa responsável pela confeção do Bacalhau Dourado na Pousada de Elvas, em 1947, terá sido Jacinta do Carmo Bucho, e por isso homenageada pela Câmara Municipal de Elvas, em 2017, com a atribuição do seu nome a uma rua local. Parece que a criação da receita se deve à necessidade de confecionar um prato, para uma reunião política de portugueses e espanhóis, no qual constasse bacalhau. Não estando a despensa guarnecida com quantidade que bastasse, desfiou o famoso gadídeo, juntou-lhe batata cabelo de anjo e muitos ovos...! Será? A neta de Jacinta Bucho ainda está viva e recorda, sempre com emoção, a história da sua avó. Acrescenta que foi também a sua avó que, nesse mesmo jantar, serviu como sobremesa “Sericá com Ameixa de Elvas” e assim terá começado outra moda.
Bacalhau Dourado com Gaspacho e emulsão de Azeitona
Recentemente, o meu amigo Domingos Soares Franco levou-me a conhecer uma cozinheira em Azeitão que conheceria, também, parte da história. Dona Albertina, conhecida como Maria da Serra, informou-me que quando começou a trabalhar em 1955 na Quinta da Torres, em Azeitão, contava-se que foi uma das proprietárias daquela quinta, Maria Clementina Sousa, que deu a receita a António Pimenta pois na Quinta das Torres sempre se confecionou o Bacalhau Dourado. Eu lembro-me que em finais dos anos 70 e durante os anos 80 ter comido várias vezes o Bacalhau Dourado na Quinta das Torres que não diferia muito do da Pousada de Elvas. Soube que, de facto, houve ligações entre a Pousada de Elvas e a Quinta das Torres.
Voltemos agora à receita. O bacalhau deve ser desfiado em cru. Depois ligeiramente demolhado. O mais delicado é preparar batata cabelo de anjo para fritar. Numa frigideira alta coloca-se azeite e cebola picadinha. Quando a cebola ficar transparente junta-se o bacalhau e envolve-se bem. Depois junta-se a batata frita e volta a mexer-se tudo. Batem-se ovos em quantidade generosa e junta-se e envolve-se bem. O ovo não deve cozer muito para permitir que o produto final fique cremoso. No início não lhe colocavam mais nada. Agora é frequente colocar-se, no final, salsa picada ou coentros, e juntar azeitonas. Também já vi juntarem natas aos ovos e fazerem com batata doce...
Bacalhau Dourado confecionado em Azeitão
O bacalhau dourado, conforme foi inicialmente servido na Pousada de Elvas, não era um prato principal. Sempre foi uma entrada e depois um serviço automático de oferta a quem fazia refeições. Era confecionado em pequenas porções e aparecia no restaurante em serviço direto. Hoje no edifício onde funcionava a pousada encontra-se o Hotel Santa Luzia, dirigido por João Simões e que tenta manter as tradições da época de sucesso gastronómico nas quais se encontra o Bacalhau Dourado. Curiosamente o seu chefe de cozinha atual é Vicente Grenho que recentemente fez a receita entrar para um recorde do Guiness ao confecionar Bacalhau Dourado que serviu 3.134 doses, com 7.000 ovos e 350 kg de bacalhau!
No meu “Dicionário Prático da Cozinha Portuguesa”, Marcador, 2015, para o verbete Bacalhau Dourado escrevi: Bacalhau desfiado e salteado em cru; junta-se batata frita em cabelo de anjo, envolve-se em ovos batidos, ficando tudo em creme, e serve-se de imediato. Esta definição distingue-o das receitas próximas como a do Bacalhau à Brás, do Bacalhau à Lisbonense e do Bacalhau à Assis.
Detalhe de Bacalhau Dourado de Azeitão
Curiosamente, no primeiro livro de Pousadas do S. N. I., publicado em 1948, nas especialidades da Pousada de Elvas ainda não consta este bacalhau. Claro que estas modas demoravam mais tempo do que agora. Só que há cada vez menos respeito pelo rigor da reprodução da receita. Quando se alteram os elementos que caracterizam um prato, por favor, mudem-lhe o nome.
© Virgílio Nogueiro Gomes
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