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Equívocos?

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Durante o ano vou deixando algumas apreciações sobre atitudes em restaurantes nunca indicando os locais pois o meu objetivo é que se melhore a prática de prestação de serviço ou a própria confeção culinária. Possivelmente este título não é o mais apropriado para esta crónica, mas é, pelo menos, mais provocador. Não sendo detentor das “verdades supremas” admito que as opiniões dos outros sejam diferentes das minhas, e gosto da discussão.

Não é meu castigo, nem fado, fazer uma retrospetiva do ano que acabou. Há, no entanto, algumas questões que continuo a querer defender e, por vezes, esclarecer para melhor entendimento. Prende-se tudo especialmente com as ruturas de tradição ou alterações gravosas no receituário, e ainda alguns conceitos que não correspondem à verdade.

equiv2Sem qualquer ordem de prioridade vou começar com o leite condensado. Tudo bem, muitos conhecem a minha intolerância ao leite condensado. Deveria ser ponto final. Mas vou acrescentar que nada tenho contra os “brigadeiros” ou contra a “baba de camelo”, receitas de sucesso que se iniciaram com a utilização do leite condensado. Já comi, no Brasil, uns brigadeiros saudáveisfeitos com biomassa e sem leite condensado. O que acho lamentável é a utilização de leite condensado em receituário tradicional que nem sequer leva leite! Já me serviram “quindins” feitos com esse condimento que eu chamo a salvação dos preguiçosos. Recentemente numa loja de bolos à fatia, porque também sou guloso, fiz umas perguntas sobre dois bolos que ainda não estavam partidos e lá veio nos dois casos o leite condensado. Com ar de brincadeira perguntei se havia algum bolo sem aquele produto e, espanto meu, não havia nenhum. Todos eram feitos com leite condensado...! Pois é, cada vez mais os doces tradicionais se vergam à comodidade do leite condensado. Salvam-se honrosas doceiras e doceiros que mantêm a tradição e confecionam de acordo com a prática popular e que dão a consistência devida aos preparados. E sobre leite condensado fiquei verdadeiramente chocado após ter comprado uma revista, número Especial Natal, pela capa que anunciava “Aprenda a fazer a autêntica Rabanada”. Que ira ao ler a receita de um português que vive desde 2015 em São Paulo: fatias de pão alentejano, embeber numa mistura de leite com leite condensado e ovo.... Curiosamente faz um paralelo com o “pain perdu” francês, mas, neste caso, embebe o pão apenas em leite sem sugerir o acréscimo do leite condensado. Medo a atraiçoar a cozinha francesa? O autor nascido em Lisboa possivelmente nunca comeu as rabanadas mais “clássicas” de Portugal que, para mim, são as do Norte e em especial as do Minho.

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O bacalhau é o alimento mais identificador da comida portuguesa apesar de o pescarmos nos mares do Norte. É também o seu receituário que é o mais torpedeado que eu conheço. E ainda, recentemente foi publicado em livro no qual está escrito que o Bacalhau à Brás tem a mesma receita do Bacalhau Dourado! Mas a receita mais adulterada de bacalhau é a do Bacalhau Espiritual. Não lhe chamem Bacalhau Espiritual quando o que servem não é mais do que um empadão de bacalhau com cenoura e muitas vezes cheio de batata. Que até pode ser bom, o empadão, mas chamem-lhe por outro nome.

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Outro equívoco é o conceito do porco preto. A maioria das pessoas pede nos restaurantes porco preto convencidas de que estão pedido “porco alentejano”. Ora, a designação de “preto” apenas designa a cor da pele do animal. Há vários porcos cuja cor é preta e não são alentejanos. Este tema já me levou a várias discussões até com chefs que deveriam ter mais conhecimento. Para ter a certeza que, de facto, se trata de porco alentejano deveria ser chamado de Carne de Porco Alentejano (DOP) que por acaso também é preto. A invasão de “porco preto”, nas listas dos restaurantes, criou a fantasia que essa designação nos remetia forçosamente ao porco alentejano. Isto revela bem a falta de informação e adesão rápida dos consumidores em relação a modas. Nunca refletiram que pareceria impossível haver tantas “plumas” e “secretos” que alimentassem um tão numeroso público nacional?

Já chega!

© Virgílio Nogueiro Gomes

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