Provar o vinho
A evolução do comportamento dos clientes em restaurantes tem vindo a sofrer alterações inimagináveis desde o início do século XX. Eu sei que já passou muito tempo e que agora a maioria da população toma, por opção ou obrigatoriedade, muitas refeições fora de casa. Os frequentadores habituais de bons ou elitistas restaurantes conheciam todas as regras e não necessitavam provar o vinho para afirmar sobre as suas qualidades. Provavam apenas para um vinho desconhecido e para saber se gostavam! Os bons restaurantes todos tinham um escanção. E cada escanção tinha a sua tomboladeira: Recipiente de prata que serve para provar o vinho. Tem o formato de uma concha cujos bordos são trabalhados de forma a refletir a cor do vinho. O seu uso está ligado aos profissionais do vinho em todo o mundo, sendo elemento identificativo dos escanções. Esta definição foi extraída do “Dicionário do Vinho” de Francisco Esteves Gonçalves, 1986. Hoje é raro encontrar escanções com a tomboladeira ao peito e dela fazerem uso. Alguns escanções até preferem ser apelidados de sommeliers, que lhes dá um toque mais internacional, mas nem sempre melhores profissionais.
Tomboladeira
Já este ano foi publicada uma crónica no imperdível blog Assins & Assados, da autoria da categorizada Paulina Mata, da qual transcrevo o início:
Há uns anos fui com um amigo a um restaurante e, quando vieram servir o vinho e perguntaram quem o provava, ele disse qualquer coisa como:
Prove o senhor por favor, e se estiver bom serve-nos. Se não estiver, não seria muito agradável prová-lo.
A minha confiança a provar vinhos não é assim muito, muito grande, de modo que achei o máximo. Pensei mesmo: Quando "for crescida" quero ter coragem de fazer o mesmo.
Escrevi noutras ocasiões sobre o serviço de mesa, e refleti sobre este detalhe e alguns comportamentos associados. Admito que a maioria das pessoas que provam o vinho não saibam, com rigor, apreciar o vinho e o fazem quase um hábito social. Como se fizesse parte de um ritual obrigatório! Comecei a perguntar às pessoas porque provavam o vinho, e se lhes tinham reconhecido as qualidades. Na grande maioria das vezes respondem apenas que não conheciam o vinho, e não lhes sabia mal. Que como dão a provar se sujeitam a esse ato, mas de forma irrefletida. Devo afirmar que algumas pessoas manifestaram sentir um certo constrangimento quando lhes sugerem que provem o vinho, e que o fazem por dever social, e que dizem sempre para servir mesmo sem perceberem o que acabaram de provar.
Não é fácil encontrar pessoal profissional, escanções, em tantos restaurantes. E mais difícil ainda quando há a feliz prática de vender vinho a copo. Ora, neste caso, o restaurante deverá ter o cuidado de verificar a qualidade do vinho quando se disponibilizam várias garrafas abertas. Recentemente estive num restaurante a jantar e pedimos dois copos do mesmo vinho. Com ar e postura de boa educação, a empregada de mesa chega junto de nós e dirigindo-se a mim disse: sei que o senhor não prova vinhos, mas garanto-lhe que este está bom. Fiquei contente com a atitude, só não sabia da minha fama…!
Sempre que me dão vinho a provar repito sempre a mesma resposta. Exceto quando me perguntam se já conheço o vinho e se quero primeiro provar para saber se gosto. Uma coisa é o cliente opinar sobre o gosto, outra é ser o cliente que deverá avaliar o estado de qualidade do vinho. Num restaurante onde o funcionário tratava os clientes com ar empinado, respondeu-me que o patrão não deixa os empregados beberem, ao que respondi que não devem beber, mas sim provar. Eu sei que há uma moda, ou exibicionismo, de provar os vinhos e dissertar sobre eles… Eu acho essas atitudes um pouco cansativas!
Outro hábito que não aprecio é darem-me a rolha para cheirar. Mais um ato que deve ser praticado por quem serve. A minha irritação é maior quando me dão a cheirar uma rolha de plástico! Sim, e houve um caso no qual expliquei que não cheiro plástico, e que a atitude até poderá ser aceitável se a rolha for de cortiça… Já irritado comigo, diz-me que ele é profissional, sommelier, e que todos os clientes exigem a rolha e o seu patrão também…devo apenas referir que esse profissional não voltou à nossa mesa e, depois disto, toda a refeição foi um desastre.
Ainda sobre vinhos, e seu serviço, lamento que as listas não estejam ajustadas para venda. Recentemente, num restaurante considerado de prestígio, os dois primeiros vinhos não havia em cave. E vinha logo a resposta que a culpa era do distribuidor que que se atrasou na entrega. Não, a culpa é do restaurante que não assinalou na lista a indisponibilidade daqueles vinhos. Para a escolha do terceiro vinho, depois de eu perguntar quais havia para serviço, o empregado vem com uma braçada de cinco vinhos para escolher. O meu protesto ficou em beber água por contestação. Agora imaginem um grupo de oito pessoas para jantar, calha-me escolher o vinho, foi-me dado a provar e ao, servir ao sexto conviva, a garrafa ficou naturalmente sem vinho. Após alguma hesitação o empregado vem-me perguntar de podia abrir mais uma garrafa. Mais de dez minutos de espera e depois chega o empregado com ar encabulado a dizer que não tinha mais garrafas e propõe outros vinho cujo preço era mais cinquenta por cento superior. Quem me conhece imaginará a sequência!
Sou um viciado em comer fora de casa, por isso tenho tantas estórias. Mas tenho em contrapartida mais momentos de alegria e prazer. Para terminar volto a citar Paulina Mata, transcrevendo parte do final da sua crónica no blog Assins & Assados:
Eu, pessoalmente, dispenso esse momento. Com muita alegria. Fico muito feliz se me evitarem ter que avaliar um vinho, para ver se tem algum defeito ou não, quando alguém me pode proporcionar esse serviço e fazê-lo com muito mais conhecimentos.
Não esqueçam que uma refeição sabe sempre melhor com vinho!
© Virgílio Nogueiro Gomes
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