Desde sempre me fascinaram as receitas de doçaria com nome de santos. E a minha primeira questão, ou curiosidade, começa com o estudo da sua vida, e que muitas vezes entrou para a história. Costumo dizer que são estórias com um final pouco feliz! Talvez porque foram dominantes os estudos da doçaria conventual, o primeiro sentimento tinha sempre um significado poético... dos contos da clausura aos prazeres gulosos.
Com Santo António, que não foi um mártir da Igreja, a tradição sempre teve associada ao pão, símbolo máximo da alimentação e tão sacralizado. Era o pão para os pobres, receber para distribuir a quem mais dele necessitava. Santo António sempre foi um símbolo para os pobres e para festas populares. Nascido em Lisboa em 1195, foi em Pádua que faleceu, 1231, e ficará na história pelo facto de ser o santo que mais rapidamente foi canonizado. Tradicionalmente está considerado como protetor das mulheres estéreis, mulheres grávidas, crianças doentes, órfãos, recrutas militares, náufragos, prisioneiros, vidreiros, comerciantes de objetos de vidro, e desde o século XVII invocado para encontrar objetos perdidos e para mulheres encontrarem marido. Mas a popularidade de Santo António é tão grande que esta lista está longe de estar completa! Acresce ainda, para nós de língua portuguesa, que no Brasil, em religiões afro-brasileiras, o sincretismo religioso associa Santo António a Exu.
A promotora, Clara Queiroz Lopes, e o seu triciclo com árvore fechada
Quanto a doces conheço especialmente bem os famosos Pastéis de Santo António, de Pernes, supostamente de origem conventual. Ou os Pãezinhos de Santo António do Brasil onde também se celebra a 13 de junho e se benzem os pãezinhos para garantir abastança alimentar durante o ano.
As Tábuas de Santo António, sobre as quais hoje escrevo, são o final de um projeto elaborado por Clara Queiroz Lopes, e que teve o Prémio de Empreendedorismo da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, em 2015. É, portanto, um projeto que visou a criação de um alimento adocicado e votivo a Santo António. Tive a sorte de poder assistir e acompanhar o desenvolvimento deste projeto.
Triciclo aberto, Clara e Olivier
Para começar fez-se um estudo sobre a sua vida com registo especial dos locais por onde passou. E este detalhe era importante pois, tratando-se de uma criação nova, seria importante integrar ingredientes com os quais o frade franciscano teve contacto no périplo da sua vida. Depois de viver em Portugal, Lisboa e Coimbra, foi para Marrocos impressionado com o martírio recente de cinco franciscanos naquele país. Abandona África por razões de saúde e na viagem de regresso, com uma tempestade, o barco vai parar à costa da Sicília, tendo depois viajado para Assis, Bolonha, pregador em França, e fixando-se finalmente na proximidade de Pádua onde faleceu. Segundo alguns biógrafos padecia de asma, gota e diabetes. Consta que após a sua morte lhe foi tirada a língua para um relicário especial atendendo aos dotes de oratória de Santo António.
Ramos da árvore/triciclo com locais por onde passou Santo António
Identificados os locais por onde passou, o primeiro passo foi escolher ingredientes simbólicos desses locais. A base é feita com farinha de trigo, açúcar, sementes de sésamo, sal e gordura vegetal. Depois há três versões, com introdução de um produto, sendo que cada uma tem o sabor dominante: a açafrão, a gengibre e a laranja. Muito embora inicialmente o projeto tenha tentado a versão de um pão doce, depois “bolinho”, a solução final acabou por ser biscoito pela sua facilidade de transporte, acomodação, e prazo de validade. Na divulgação do projeto pode ler-se: As Tábuas de Santo António são biscoitos artesanais inspirados nas tábuas do seu último abrigo. Resultam de uma receita secular de marinheiros portugueses enriquecida com plantas, frutos e sementes que o santo encontro no seu caminho entre Lisboa e Pádua.
Mas este projeto não pretende, apenas, a produção de um doce. Vai mais longe com uma preocupação estética e cultural. Para sua venda inicial foram desenhadas embalagens especiais, vejam a qualidade na foto, com conteúdo consistente. Para a venda de rua foi desenha um “triciclo” que é um objeto esteticamente bem resolvido, uma árvore fechada em madeira polida e cujos ramos tem os locais por onde Santo António passou. Quando se abre a árvore, com duas portadas, encontramos uma coleção de objetos com a imagem de Santo António.
Atualmente o “triciclo" está estacionado no Largo de Santo António. Está para breve a venda, também, em algumas pastelarias ou lojas especiais. Por enquanto e se quiser Tábuas de Santo António terá que se deslocar aquele local e aproveitar e fazer uma visita ao Museu de Santo António e uma visita à Igreja de Santo António. Ou por outro lado, se for ao Museu ou à Igreja aproveite e leve de recordação uma Tábuas de Santo António.
Quadras nas embalagens dos biscoitos:
Sabor a Açafrão
Santo António não te peço
Milagre casamenteiro
Só amor e saudinha
Mais um rico mealheiro
Sabor a Gengibre
Santo António dá-me um noivo
Está na hora de casar
Mas antes do cativeiro
Dois ou três quero testar
Sabor a Laranja
Ao provar este biscoito
Ouvi recado no vento
Prometeu Sant’ Antoninho
Apressar meu casamento
Para mais informações consultar:
ou
© Virgílio Nogueiro Gomes