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figoUma das tertúlias mensais, sabiamente coordenadas na Associação dos Cozinheiros Profissionais de Portugal (ACPP) pelo professor e gastrónomo Virgílio Gomes, versou sobre o figo, alimento de subsistência e hoje apreciado produto “gourmet”. Não cabe a este humilde cronista, aqui e agora, tecer encómios sobre as excelências dos oradores. De resto, seria estultícia alastrar-me num tema que já se encontra bastante explanado por insignes sapientes. Assim, limitar-me-ei a contar histórias pessoais em breves pinceladas para suscitar a curiosidade dos leitores.
Na terra onde nasci e cresci eram parcos os recursos alimentares. Só no fim da primavera se tirava a barriga de misérias quando apareciam as frutas temporãs. No tempo dos figos não havia fome. Em duas courelas arrendadas tínhamos figo branco, figo borracho, figo moscatel, figo da ciência e figo rebanqui (atenção que os nomes populares divergem de terra para terra). As nossas figueiras eram altas e ramalhudas e as pernadas pendentes chegavam ao chão. Os primeiros figos, os lampos, eram vendidos à dúzia que integrava 13 unidades e não 12. As principais clientes eram as “gafanhotas” e as “ratinhas”, mulheres oriundas das beiras, que vinham sazonalmente trabalhar para as secas do bacalhau. Depois quando o preço baixava vendiam-se em canastras bem amoiadas, para encher os maceiros dos porcos do Alberto Silva. Estas tarefas entregues à criançada desafogavam frouxamente o orçamento familiar dando assim jus ao popular ditado: “o trabalho do menino é pouco mas quem não o aproveita é louco”. Na década de 50 do passado século, uma dúzia de figos temporãos valiam por volta de 1 escudo, mas os destinados às malhadas dos porcos não passavam de 10 ou 20 centavos o quilo.
Os figos são das frutas que mais aprecio. Fazia refeições completas com pão e figos. Os mais apetitosos eram comidos de manhãzinha junto à árvore, ainda orvalhados da frescura da noite. Já adulto quando fui morar para outra localidade sentia a falta dos figos da minha terra e até sonhava com eles.
Ficus cariaVamos agora à parte científica. A Ficus caria encontra-se classificada na família das Moraceae. O género Ficus agrupa mais de mil espécies e tem a particularidade de florir internamente num recetáculo fechado (sicónio) apenas com um orifício por onde entra uma pequena vespa (Blastophaga psnes) para proporcionar a polinização (caprificação). O processo é assaz complexo porque a polinização é cruzada e alguns bichinhos acabam por morrer dentro do sicónio.
Se querem saber mais, recomendo o excelente livro “Algarve Mediterrânico, tradição, produtos e cozinhas” de Maria Manuel Valagão, Vasco Célio e Bertílio Gomes (Edição Tinta-da-China). É uma maravilha!
Temos vindo a falar do Ficus caria, abundante na Ásia Menor e em toda a bacia mediterrânica, mas não se espantem se vos disser que há mais 40 Ficus que dão frutos comestíveis. Isso mesmo se pode constatar na “Fruticultura Tropical” de J. E. Mendes Ferrão, obra editada em três volumes pelo Instituto de Investigação Científica Tropical. Curiosamente, o segundo volume, onde se descriminam as várias espécies de figos tropicais possui na respetiva capa a reprodução da fotografia “As mangas no mercado local em 1995, cedida pelo meu amigo Engº Fernando Rego que tive o prazer de conhecer pessoalmente em Pangim quando há anos visitei Goa.
Há dias, em plena Avenida dos Oceanos, no Parque das Nações, encontrei a Ficus religiosa provida de minúsculos figuinhos. Ela é uma das figueiras tropicais mais famosas não só pela sua beleza ornamental mas também porque é árvore sagrada dos hindus e budistas. Diz a lenda que foi à sua sombra que Buda alcançou o nirvana.
Voltemos à nossa Ficus carica, árvore que atinge dez metros, de grandes folhas alternas, palmatilobadas, rugosas e caducas (parece que foi com essas folhas que Adão e Eva taparam as suas vergonhas quando foram expulsos do paraíso – mas não seria no inverno porque nessa estação as figueiras estão despidas e em completa letargia).
As infrutescências (afinal o figo é um pseudo fruto) são riquíssimas em açúcares complexos (glucose, sacarose e frutose), cálcio, magnésio, fósforo, potássio, provitamina A, vitaminas B, C e K, fibras solúveis, taninos e substâncias oxidantes.
O figo é um alimento energético e alcalinizante de polpa suave e doce, regulador da digestão, laxante, expetorante, desinflamante do aparelho respiratório (tosse, catarro …), estimulante do poder de concentração e beneficiante da flora intestinal.
Os frutos são frágeis e facilmente perecíveis, mas se forem bem secos constituem uma reserva duradoira importante (100 g de figos passados contêm cerca de 250 calorias).
As folhas possuem um látex irritante que permite erradicar as verrugas e outrora servia para coalhar o leite destinado às queijarias.
Os figos, frescos ou secos, têm lugar privilegiado na elaboração de sofisticados pratos, uma vez que combinam bem com muitos alimentos. Inúmeras receitas estão ao dispor dos interessados nas ementas de consagrados “Chefs”. Chamo a especial atenção para a gastronomia da Turquia onde o figo é rei, visto que a sua produção anual (a maior do mundo) ronda as 300 mil toneladas.
Para terminar, não se esqueçam de visitar o Museu da Cidade da Horta (Faial) onde o acervo do artesanato em miolo de figueira, é único em todo o mundo e contribui para alargar a versatilidade desta árvore descrita e consagrada em todas as grandes religiões.

Miguel Boieiro

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