No passado mês de julho realizou-se na Fundação das Salinas do Samouco mais uma edição da Festisal. A Festisal constitui uma jornada ímpar de divulgação dos valores relativos à preservação ambiental e à correta utilização dos bens que a generosa natureza coloca à nossa disposição. No referido certame, aberto a todos os escalões etários mas privilegiando as camadas mais jovens, procura-se, por atitudes práticas, sensibilizar os cidadãos. O ingresso no espaço onde decorrem as principais iniciativas é feito sem o recurso a combustíveis fósseis que, como se sabe, são dos principais poluentes atmosféricos. Os visitantes são convidados a utilizar bicicletas, veículos de tração animal, “tuk-tuks” movidos a energia elétrica, ou as suas próprias pernas para alcançar o local que dista cerca de um quilómetro da porta de entrada da Fundação. Centenas de participantes assistiram a palestras sobre a evolução histórica da safra do sal, a avifauna e as plantas halófitas. Houve ioga, demonstrações de fornos solares, showcooking, elaboração de pãezinhos de sal, venda de produtos biológicos e de artesanato, papagaios acrobáticos, rapagem do sal nos talhos das salinas e mais … muito mais iniciativas que agora não ocorrem à memória do escriba. Fica, desde já, o premente desafio para a participação em futuras edições do Festisal.
Surge esta conversa inicial porque o cronista foi novamente convidado para perorar sobre as plantas que crescem espontaneamente nos cerca de 400 hectares da Fundação, a qual, convém lembrar, foi, em boa hora, instituída para minimizar impactes ambientais eventualmente originados pela construção da ponte Vasco da Gama. Para ilustrar a palestra, colheu-se uma trintena de espécies botânicas a fim de ficarem expostas no decurso da mesma. A ideia resultou, pois assim as palavras monocórdicas do orador ficaram amenizadas pela observação e manuseio das ervas profusamente espalhadas em espaçosa mesa. Permitiu ainda a agilização do debate, quanto a nós, a parte mais interessante de qualquer palestra.
Bem, mas vamos ao que interessa! Entre as plantas recolhidas destacamos, desta vez, a luzerna ou alfalfa porque, sem contar com as halófitas, era a que se encontrava mais viçosa, florida e sorridente (se é que também às plantas será permitido sorrir) naquele caloroso julho. E antes de mais, explique-se a razão. É que a luzerna, espécie perene, tem uma raiz compridíssima que, em busca da imprescindível humidade, chega a aprofundar 5 metros.
A Medicago sativa, como é designada cientificamente, pertence à família das Fabaceae, sendo uma leguminosa importante para alimentação do gado pela sua palatabilidade e riqueza proteica. É também importante como composto verde que muito enriquece o solo, já que capta o azoto atmosférico que posteriormente liberta nos nódulos da sua extensa raiz.
A luzerna ou alfalfa prefere terrenos alcalinos com ph não inferior a 7, possui folhas trifoliadas ligeiramente dentadas e pequenas flores azuis ou lilases de corolas papilionáceas, formando cachos no cimo dos caules. Anote-se, contudo, que existe uma subespécie com flores amarelas, trata-se da Medicago sativa subsp falcata. O fruto forma uma hélice espiralada e pilosa que chega a ter oito voltas. A planta é ereta e pode alcançar 60 cm de altura. O seu ciclo vital vai geralmente de 5 a 12 anos mas em condições muito favoráveis pode atingir os 20.
Julga-se que é nativa da Ásia Ocidental (Afeganistão, Irão, Turquia …), onde é muito estimada. O nome “alfalfa” provém do árabe e significa “a mãe de todos os alimentos”, querendo talvez dizer que se trata da principal forragem para cavalos e ruminantes.
Com o avanço das investigações científicas concluiu-se que é também altamente vantajosa para a saúde dos humanos, quer como alimento, quer como planta medicinal.
Contém níveis apreciáveis de proteínas (16 a 20%), enzimas, fibras, sais minerais (cálcio, potássio, ferro, fósforo, magnésio, selénio, silício), vitaminas C, D, E, K e betacaroteno. As sementes integram um ácido gordo e os rebentos possuem o triplo do cálcio existente no leite.
Propriedades: nutritiva, hemostática, estimulante do apetite, anti anémica, anti colesterol, remineralizante, reparadora dos distúrbios ósseos e das cartilagens, etc.
São cada vez mais numerosas as indicações medicinais da luzerna para situações de anemia, raquitismo, desnutrição, úlcera gastroduodenal, dispepsia, fermentações intestinais, prisão de ventre, hemorragias, transtornos da menopausa, reumatismo, diabetes e colesterol elevado.
Constitui um bom alimento para favorecer o crescimento das crianças, para os desportistas, os convalescentes e os idosos. Os rebentos jovens podem ser adicionados às saladas ou cozidos em sopas como se fossem espinafres, mas talvez a melhor forma será consumir as sementes germinadas, cujos nutrientes são mais fáceis de assimilar.
Com a devida vénia, transcrevemos a fórmula de um curioso xarope indicado em “Plantes Médicinales au Maghreb et soins de base” de Jamal Bellakhdar:
300 g de luzerna migada, 50 g de nozes partidas, 0,5 l de água quente, 50 ml de água do mar filtrada e 600 g de açúcar.
Verter a água quente sobre a luzerna e as nozes; deixar a macerar durante 6 horas; liquefazer; juntar a água do mar e o açúcar. Despejar em frascos que depois de bem rolhados devem entrar em ebulição durante 5 minutos (banho-maria).
Tomar 2 ou 3 colheres de sopa, três vezes por dia.
Há evidentemente outros processos curativos menos trabalhosos, nomeadamente a infusão das sementes (30 g por litro de água) para tomar 3 a 5 chávenas por dia ou o suco fresco que, ingerido em jejum, constitui um ótimo tónico. As sementes podem facilmente ser germinadas em casa para juntar às saladas cruas e aos pratos cozinhados.
Continuam as investigações laboratoriais desta humilde plantinha que ancestralmente era apenas dedicada à alimentação animal e hoje é já uma das mais preciosas que a natureza dispõe para conforto humano.
Miguel Boieiro
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