Quase tenho vergonha de dizer que vi pela primeira vez castanheiros quando assentei praça na Escola Prática de Infantaria (Mafra) onde fiz a recruta do Curso de Oficiais Milicianos, nos idos de julho de 1968. Não conhecia tais árvores, praticamente inexistentes no sítio onde residia e logo me encantou a sua imponência, a beleza das suas folhas e amentilhos, a tranquilidade proporcionada pela sua sombra.
É claro, que os magustos de São Martinho com castanhas cozidas e assadas e outras iguarias da época outonal preenchiam a minha juventude, mas que querem, não conhecia ainda a árvore que proporciona tão salutares frutos.
Mais tarde, encontrei um moribundo souto em Vale-de-Milhaços (Seixal), resquício ligado a uma atividade corriqueira do tempo das descobertas marítimas que possuía estaleiros navais em Vale-de-Zebro.
As castanhas, o biscoito (pão seco) e o bacalhau salgado eram os principais mantimentos dos tripulantes nas suas morosas viagens. A água, iam abastecer ao Talaminho (onde atualmente se realiza a Festa do Avante) ou ao Samouco. Daí aquele dito “Só paro no Samouco para meter água!”.
Mas não me queria dispersar! A vontade de redigir algo sobre o castanheiro foi reforçada quando, de visita a Alcongosta em plena Serra da Gardunha por altura da Festa da Cereja, resolvemos ir visitar um amigo residente noutra aldeia próxima, o Souto-da-Casa. O percurso que liga as duas aldeias está repleto de lindos panoramas. Para além das cerejeiras que ladeiam a estrada, surgem os altaneiros castanheiros. A toponímia não engana: souto é um substantivo coletivo que designa um conjunto de castanheiros. Diga-se, de passagem, que os substantivos coletivos constituem um martírio para quem quer aprender o nosso idioma, pois, na sua maioria, diferem completamente da palavra que está na base do agrupamento. Veja-se: cardume, rebanho, manada, enxame, récua, cáfila, … Tal esforço de memorização não acontece em esperanto. Basta acrescentar o sufixo -aro e logo obtemos o coletivo. Mas, peço desculpa, cá estou eu, outra vez, a divagar.
A Castanea sativa é uma árvore longeva da família das Fagáceas que pode atingir os 35 metros de altura. A sua madeira é dura e resistente o que a torna muito apta para mobiliário e construções habitacionais. As folhas são brilhantes, compridas, lanceoladas, dentadas nos bordos, com acentuada nervação paralela. As flores amarelas, formando cachos (amentilhos), são perfumadas e coexistem na mesma árvore as masculinas e as femininas, já que a espécie é dioica. Os frutos (castanhas) estão envolvidos numa cápsula espinhosa (ouriço) que pode ter até três exemplares e são deiscentes. Julga-se que a espécie sativa é oriunda da Ásia Menor e que se espalhou pela Europa por ação da civilização romana.
O nosso País foi um dos grandes produtores mundiais deste nutritivo fruto que outrora constituía um dos farináceos mais importantes da alimentação quotidiana das gentes. Era até denominado ”o pão dos pobres”. Devido à sua fácil conservação (castanha pilada) ela integrava os mantimentos dos navegadores, como acima se disse. O interior norte do País era, e ainda é, o principal produtor, mas não devemos esquecer a Serra de São Mamede e especialmente o concelho de Marvão, onde todos os anos se realiza a Festa da Castanha que visitei já por duas vezes. Na última, fui presenteado com um útil livro de culinária de castanhas pelo respetivo Presidente da Câmara.
A castanha é, de facto, um fruto versátil que pode integrar inúmeras ementas, sendo rico em glúcidos, lípidos, prótidos, sais minerais como cálcio, magnésio, fósforo e potássio, vitaminas B1, B2 e C. É estomáquica (sobretudo cozida), remineralizante, sedativa e tónica. O “chá” proveniente da cozedura das folhas tem diversas aplicações fitoterápicas por se revelar expectorante, antitússico, antipirético, antidiarreico, devido a possuir bastante tanino. Serve também para gargarismos.
Quando os castanheiros estão floridos, como os que encontrei no Souto-da-Casa, em pleno mês de junho, as árvores parecem estar iluminadas. As suas flores são também um bom abastecimento de néctar para a produção do mel.
Termino com a citação de um popular provérbio galego:
- Não há ruim vinho com castanhas assadas e sardinhas salgadas.
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